sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O poder maligno do colesterol

A medicina descobre que o vilão do coração também aumenta o risco para doenças como

Alzheimer, câncer de próstata e infecções bucais. Mas já encontra novas maneiras para enfrentá-lo.

Neste momento, cientistas de todo o mundo estão empenhados em uma potente contra-ofensiva ao

colesterol, a conhecida gordura que, em desequilíbrio, é um dos principais inimigos do coração. Há

esforços para controlar não apenas sua fração ruim, o LDL, responsável pelo entupimento das artérias.

Muito está se descobrindo também para elevar a parte boa, o HDL, cuja função é tirar de dentro das

células a gordura depositada. Esses avanços serão apresentados no congresso da Associação Americana

de Cardiologia (a sigla em inglês é AHA), que reunirá nesta semana milhares de médicos em Orlando,

nos Estados unidos.

A concentração de forças contra o colesterol se torna mais urgente por causa das descobertas

recentes sobre os prejuízos que o composto apresenta em outras partes do corpo, além do coração. Os

trabalhos têm mostrado a existência de conexões entre o colesterol e o surgimento ou evolução da

demência senil, mal de Alzheimer, câncer, artrite reumatoide e problemas na mucosa bucal. Trata-se de

uma questão nova, excitante e complexa para a medicina.

Boa parte dos estudos do gênero se dedica a investigar a relação com o funcionamento do cérebro.

uma pesquisa publicada no jornal da AHA, por exemplo, identificou ligações entre os baixos níveis do

HDL na meia-idade e a perda da memória. A conclusão foi tirada a partir da avaliação de 3,6 mil pessoas

com 55 e 61 anos. Entre o primeiro grupo, as que tinham baixo HDL estavam 27% mais vulneráveis ao

problema do que quem tinha níveis adequados. Para os indivíduos com 61 anos, o risco foi de 53%.

Atualmente, a medicina define que o HDL deve estar acima de 50 mg/dl (miligramas por decilitro de

sangue) para mulheres e 40 mg/dl para homens. Para os diabéticos, a recomendação é de 50 mg/dl.

No ano passado, os resultados de um estudo que durou 30 anos começaram a delinear também as

relações entre o excesso do colesterol total (a soma das suas frações, boa e má) e as chances de ter mal de

Alzheimer, doença degenerativa caracterizada pela perda de memória e demência. Por nove anos, de

1964 a 1973, os pesquisadores acompanharam 9,7 mil pessoas com idades entre 40 e 45 anos. Depois,

entre 1994 e 2007, o grupo foi novamente examinado. "Aqueles com colesterol entre 249 mg/dl e 500

mg/dl tiveram uma vez e meia mais chances de desenvolver Alzheimer do que os que mantiveram níveis

abaixo de 198 mg/dl", disse à ISTOÉ Alina Solomon, que liderou o trabalho. Mais informações

fortalecem esse raciocínio. Divulgada em março, uma pesquisa da universidade Colúmbia (EuA)

constatou um declínio mais rápido do raciocínio em pessoas com histórico de diabetes e colesterol alto.

Uma das hipóteses para resultados como esses é a de que o colesterol provocaria no cérebro danos

semelhantes aos causados no coração. "O alto nível de gorduras no sangue pode acarretar o depósito

dessas substâncias e o estreitamento dos vasos sanguíneos", explica o cardiologista Marcelo Bertolami,

diretor do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. Por isso, o órgão afetado pode deixar de receber

sangue suficiente para oxigenar os seus tecidos."

Nos EuA, um experimento da Clínica Mayo apontou outra implicação: pessoas que apresentaram

artrite reumatoide, uma doença inflamatória crônica, manifestaram níveis totais de colesterol muito

baixos nos cinco anos que precederam o aparecimento do problema. Agora, procura-se decifrar o

significado dessa ocorrência.

No campus da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, uma investigação feita com ratos

nos laboratórios da Faculdade de Odontologia constatou que o colesterol elevado prejudica a mucosa

bucal. "A cicatrização é mais difícil, o que facilita a formação de lesões que podem ser a porta de entrada

para infecções", diz Gilberto Silva, autor do trabalho. "Essa relação é tão intrigante que iniciaremos um

estudo para investigar possíveis implicações no câncer bucal", diz Marilena Komesu, orientadora da

pesquisa.

A relação entre o colesterol e os tumores de fato tem instigado os cientistas. Eles querem saber

quando e como ela se dá. Por enquanto, há indicações da influência em alguns tipos. um trabalho avaliou

5.586 homens com mais de 55 anos, sendo que 1.251 tinham câncer de próstata. "Homens com colesterol

total abaixo de 200 mg/dl tiveram 59% menos risco de apresentar tumores mais agressivos de próstata",

disse à ISTOÉ Elizabeth Platz, coordenadora do estudo e codiretora do Johns Hopkins Kimmel Cancer

Center. "Agora temos mais evidências de que entre os benefícios do baixo colesterol está a redução do

risco de tumores de próstata mais fatais."

Divulgado esta semana no jornal "Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention", outro estudo

assinalou o papel benéfico do HDL. O acompanhamento de 29 mil homens fumantes durante 18 anos

pelo National Cancer Institute dos Eua gerou o dado de que os indivíduos com HDL acima de 55 mg/dl

tinham 11% menos chances de ter câncer, incluindo tumores de pulmão e fígado. Foi o maior estudo

mostrando a relação entre HDL e câncer. Mas é preciso avançar para ter respostas mais claras. "Muitos

desses trabalhos são controversos, mas indicam novos caminhos de pesquisa que precisam ser trilhados",

diz o cardiologista Bertolami.

O duplo desafio das mulheres

Elas têm mais dificuldades para controlar o mau colesterol e ao mesmo tempo elevar o bom

Um estudo coordenado pelo cardiologista Raul dos Santos, de São Paulo, revelou que os homens

que já sofreram infarto ou acidente vascular cerebral tinham mais sucesso em atingir os níveis adequados

de LDL do que as mulheres nas mesmas condições. Dados inéditos do trabalho serão publicados na

edição de novembro da revista "American Heart Journal". Eles mostram que, além da dificuldade de

controlar o LDL, as mulheres costumam apresentar níveis menores de colesterol protetor, o HDL. Em 9,9

mil pacientes, o HDL baixo foi encontrado em 32% das mulheres, contra 27% dos homens. Para eles, os

inimigos que se revelaram mais atuantes na derrubada do bom colesterol foram a

diabetes e o cigarro. Para elas, a lista inclui a diabetes, a pressão alta, o cigarro e a obesidade abdominal.

As mulheres da família Cruz Antônio - a mãe, Guiomar, suas filhas Gisele e Fernanda, e sua neta

Marcela, 9 anos - sabem bem o que é lutar para manter os níveis da gordura equilibrados. Por causa de

uma tendência genética, todas têm dificuldade, mesmo com remédios. "Mas continuamos firmes nos

cuidados", diz Fernanda.

No rastro desses estudos, ampliam-se também as indicações das estatinas, o principal remédio

para baixar o LDL. Um estudo publicado na revista científica "Neurology" mostrou que quem toma

estatina depois de um acidente vascular cerebral tem 35% menos risco de sofrer outro problema

semelhante e 57% menos chance de morrer nos próximos dez anos vitimado por problemas nos vasos

sanguíneos cerebrais. Elas também melhoram a condição de pacientes internados por gripe, de acordo

com uma pesquisa patrocinada pelo Centro de Prevenção de Controle de Doenças americano. A

investigação avaliou 2,8 mil pessoas hospitalizadas entre 2007 e 2008. As que tomavam estatinas por

algum motivo tiveram duas vezes mais possibilidades de sobreviver.

Porém falta muito para domar o colesterol. "A medicina ainda está devendo na prevenção", diz o

cardiologista Raul Dias dos Santos, diretor da Unidade Clínica de Lípides do Instituto do Coração

(InCor), em São Paulo, e um dos principais pesquisadores internacionais da área. "Hoje, com os recursos

existentes, apenas 30% dos pacientes que já tiveram algum problema cardiovascular mantêm o LDL em

torno de 70 mg/dl, o que é ideal."

Isso mostra que é preciso abrir novas frentes de batalha. E é o que está sendo feito. Para baixar o

LDL, estuda-se a eficácia de uma substância, a ser tomada em uma única dose semanal injetável.

Seus primeiros resultados serão apresentados no encontro americano de cardiologia. Chamada de

mipomersen, ela está sendo testada em seis pacientes do InCor com alterações genéticas que fazem o

LDL atingir níveis muito altos, em torno de 500 mg/dl. A substância tem um mecanismo de ação

completamente diferente dos remédios disponíveis e pode reduzir o LDL em mais 25% além da

diminuição promovida pelas estatinas. "Em cerca de seis semanas, diminuímos o colesterol de alguns

pacientes de 500 para 140 mg/dl. Mas, em outros, a droga não teve efeito", conta Santos, coautor do

estudo.

Ainda no InCor, o pesquisador Carlos Eduardo Negrão, diretor da Unidade Ainda no InCor, o

pesquisador Carlos Eduardo Negrão, diretor da Unidade retardam sua oxidação. Quando essa oxidação

acontece, o LDL se torna mais nocivo. "O exercício o torna menos lesivo", explica Negrão. O trabalho foi

publicado na revista da Sociedade Americana de Fisiologia. Atento aos avanços da medicina, o executivo

Fábio Beltrão, 39 anos, está entre os que apostam nos poderes do exercício para baixar as gorduras no

sangue. "Descobri que o LDL estava alto quando fiz exames para entrar no time de corrida da empresa.

Agora, treino sob monitoramento", diz ele.

Há investimentos também para elevar o HDL. Com exercícios e dieta, por exemplo, é possível

melhorar até 15% o padrão desse colesterol bom. Mas o benefício dessa ordem só vale para quem tem

barriguinha ou possui triglicérides - outro tipo de gordura - alto.

Quem é magro não tem resultados tão expressivos. Por isso, há uma corrida das companhias

farmacêuticas em busca de alternativas. Hoje, a principal opção disponível é o ácido nicotínico.

O problema é que ele dá efeitos colaterais desconfortáveis - vermelhidão no rosto e suor

excessivo. No ano que vem chegará ao Brasil um remédio que deve acabar com o problema. Ele combina

o ácido ao laropipranto, substância que impede as complicações. Também estão em estudo dois novos

remédios, o dalcetrapibe e o anacetrapibe, que prometem subir em torno de 40% o HDL.

Outro foco é o conhecimento de frações pouco estudadas, como o oxicolesterol. Ele é produzido,

por exemplo, quando alimentos ricos em gordura são esquentados, como frango frito ou hambúrgueres.

Em estudo com cobaias na universidade de Hong Kong, o colesterol total dos animais alimentados

com oxicolesterol subiu 22% mais do que o daqueles que não o ingeriram.

Discutem-se ainda formas mais eficientes de avaliar o risco. uma delas é dosar, no exame de

sangue, a quantidade de PCR (proteína C reativa) de pessoas com LDL normal, como já se faz de rotina

no Canadá. Por quê? Trata-se de um marcador de risco de inflamação que, quando elevado, indica que o

LDL pode se tornar mais perigoso. Mais um trabalho, publicado em junho na revista "Circulation",

sugere dar maior atenção ao colesterol não HDL. Ou seja, a fração total menos o HDL. O que isso indica?

uma mistura de todas as outras partículas de gordura circulantes no sangue que podem de fato entupir as

artérias. "Além do LDL, outras gorduras são prejudiciais. Verificamos que 20% dos pacientes que tinham

o LDL nos níveis certos possuíam alguma outra gordura ruim fora de controle, o que é um risco", diz

Raul dos Santos.

A LIÇÃO DA BACTÉRIA

Cientistas descobrem micro-organismo que destrói o colesterol

Um grupo de cientistas da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, encontrou, entre

tantos tipos de bactérias que vivem no esgoto, uma espécie que tem a capacidade especial de degradar

muito rapidamente resíduos de colesterol. Deram a ela o nome de Gordonia cholesterolivorans. "Nós

acabamos de isolar os genes dessa bactéria para conhecer seus mecanismos de funcionamento", disse à

ISTOÉ o pesquisador Oliver Drzyzga, que liderou o trabalho. O que eles querem é entender como o

microorganismo metaboliza a gordura de modo tão eficiente, na esperança de encontrar no processo mais

uma forma de controle do colesterol no organismo humano. "Pretendemos modificá-la geneticamente

para criar compostos que possam ser usados no setor farmacêutico e médico."

Mas pelo menos fazer o exame que mede o colesterol vai ficar mais fácil. Pesquisadores da

Universidade de Cambridge, na Inglaterra, afirmam que não é preciso jejuar antes de testar o colesterol.

Fundamentada em dados de exames de 300 mil pessoas, a pesquisa coordenada pelo pesquisador John

Danesh indica que os resultados sem jejum são iguais aos dos exames convencionais. Muitos outros

estudos endossam esses resultados. É uma dificuldade a menos para ajudar na batalha para conservar a

saúde.

Fonte: IstoÉ

Data da Reportagem: 17/11/09
 
Perdigao - Estudante MBA Gestao Pessoas - Faculdade 2 Julho

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