Albert Einstein foi o cientista mais popular de toda a história. Seu rosto é o
único que a maioria das pessoas reconhece como o de um gênio – especialmente
naquela foto na qual, irreverente e cabeludo, ele mostra a língua para o fotógrafo.
Não é para menos. Einstein revolucionou o conhecimento do homem sobre
a natureza. Mostrou a existência de um mundo invisível, cheio de moléculas e átomos em constante
agitação. Suas digitais estão num amplo leque de tecnologias que hoje fazem parte do nosso cotidiano.
Células fotoelétricas e laser, energia nuclear e fibras ópticas, viagens espaciais e até os chips de
computadores derivam de suas ideias. E, não se deve esquecer, foi ele quem colocou na boca do povo o
conceito de que tudo é relativo. Os elementos da genialidade em sua vida são de fácil descrição:
originalidade, inteligência, percepção e realizações que excedem as de qualquer um de seus
contemporâneos em seu campo de estudo. Mais complicado é explicar, cientificamente, de onde vinha
todo esse talento. É compreensível que tantos cientistas se debrucem hoje sobre o cérebro do físico genial
– retirado pelo médico-legista após sua morte, em 1955 – em busca da solução de um grande enigma:
existiria no órgão alguma característica anatômica capaz de influenciar a inteligência de uma pessoa? A
resposta a essa pergunta não diz respeito apenas a Einstein. Ela ajudaria também a entender a inteligência
em todos nós.
O repórter Leandro Narloch, de VEJA, foi aos Estados Unidos para conhecer de perto as
principais pesquisas e conversar com os cientistas que trabalham com o cérebro de Einstein. No escritório
de Elliot Krauss, patologista-chefe do Hospital de Princeton, em Nova Jersey, Narloch teve a
oportunidade de conhecer, por assim dizer, o próprio Einstein. Ou, pelo menos, a maior porção
remanescente de seu corpo. São 180 fragmentos de seu cérebro, embrulhados em pequenos pacotes de
gaze e boiando em álcool dentro de dois potes de biscoito dos anos 50. Na sala apertada do patologistachefe,
o que resta de Einstein divide uma prateleira com microscópios, relatórios e pilhas de prontuários
médicos. "Muita gente pede para vê-lo ou quer levá-lo para estudos ou exposição, mas eu raramente digo
sim", explicou a VEJA. "Prometi cuidar bem desse cérebro, e agora essa missão de guardião se tornou
parte da minha vida."
Esse senso de missão científica teria agradado a Einstein. Ele foi um teórico apaixonado que no
leito de morte ainda rabiscava equações na tentativa de corrigir o que considerava imperfeições na
mecânica quântica. Mas como reagiria se lhe fosse possível comentar as aventuras pelas quais passou seu
cérebro? Apesar de sua aura de gênio, Einstein foi um homem de simpática simplicidade. Em vez de
pompa, ele preferiu ser cremado na mesma tarde em que morreu, antes que o mundo tivesse tempo de se
mobilizar em sua homenagem.
Para evitar que seu túmulo se tornasse local de macabra veneração, as cinzas foram levadas por
seu filho até o rio mais próximo e espalhadas nas águas. Seu mais recente biógrafo, o americano Walter
Isaacson, conta que uma autópsia de rotina foi realizada pelo patologista-chefe do Hospital de Princeton,
Thomas Harvey, que usou uma serra elétrica para abrir o crânio e retirar o cérebro. Quando costurou o
corpo, o médico decidiu, sem pedir permissão à família do morto, embalsamar o cérebro de Einstein e
guardá-lo. Harvey não pretendia ganhar dinheiro com uma relíquia. De temperamento um tanto sonhador,
acreditava que poderia haver valor científico no estudo da massa encefálica de um gênio reconhecido.
Harvey também se atribuiu a missão de zelar pela preservação do órgão e decidir se podia ou não
examiná-lo. Uma de suas primeiras providências foi fotografá-lo e cortá-lo em 240 pedaços, etiquetando
cada um. Depois, pediu a colegas da Universidade da Pensilvânia que dividissem parte do cérebro em
fatias microscópicas. Ele próprio levou o material, acomodado em dois vidros no banco de trás de seu
carro, até a Pensilvânia. Foram os primeiros 400 quilômetros da longa viagem post-mortem do cérebro.
Por anos, Harvey enviou amostras a diversos pesquisadores, escolhidos segundo seu gosto pessoal.
Existem hoje fragmentos em laboratórios dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Japão, Alemanha,
Argentina e até mesmo em Calcutá, na Índia. A mais conhecida viagem do cérebro de Einstein foi narrada
por um de seus protagonistas – o jornalista Michael Paterniti, da revista Harper’s – no livro Conduzindo o
Sr. Albert. No fim dos anos 90, Paterniti convenceu Harvey a levar o cérebro, de carro, para a casa de
Evelyn, a neta do cientista que vivia na Califórnia, do outro lado do país. Filha adotiva de Hans Albert,
primogênito de Einstein com sua primeira mulher, Mileva, Evelyn achava que valia a pena investigar os
rumores de que poderia ser, na verdade, filha biológica do vovô Einstein. A versão fazia sentido, uma vez
que ela nasceu num período em que Einstein, viúvo ainda fresco, teve várias namoradas. O plano era
descobrir a verdade analisando o DNA contido no cérebro. Infelizmente para Evelyn e para os
historiadores, o modo como Harvey conservara o material tornou impossível a extração de uma amostra
de DNA. Em 1998, já com 86 anos (ele ainda viveu até 2007), Harvey passou adiante a guarda do cérebro
ao serviço de patologia de Princeton. Foi assim que Einstein foi parar na prateleira abarrotada de Elliot
Krauss.
A inteligência é a mais intrigante entre as capacidades do cérebro humano. A dificuldade é
entender o que, exatamente, é a inteligência. A definição dada a VEJA por Shane Legg, da Unidade de
Cálculo e Neurociência da Faculdade de Londres: "A definição técnica inclui a habilidade de tomar
decisões, o poder de agir de maneira rápida e sensata em diversas circunstâncias, além de considerar que
o indivíduo esteja apto a aprender, a se adaptar rapidamente, que tenha boa memória, capacidade de foco
e pensamento rápido, lógico e soluções criativas para novos problemas". O segundo desafio é onde, entre
os bilhões de neurônios do cérebro, o cientista deve procurar sua origem e mecanismos. Para um olhar
destreinado, o cérebro de Einstein seria uma decepção. Segundo o médico-legista, o órgão pesava 1 230
gramas, menos que a média masculina, que é de 1 400 gramas. O volume também estava 4 centímetros
abaixo da média. Essa atrofia provavelmente era uma decorrência da idade (o cientista morreu com 76
anos), o que é perfeitamente normal.
O número de sinapses e a velocidade de formação de novos neurônios diminuem a partir dos 35
anos. A quantidade de neurônios também se reduz. Um cérebro excepcionalmente bem dotado de
conexões na juventude pode, com o passar do tempo, ficar mais próximo da média. Em 1905, o annus
mirabilis, em que publicou os cinco ensaios que viraram pelo avesso a física moderna, Einstein era um
rapaz boa-pinta de 26 anos. No minuto seguinte à morte, têm início um processo acelerado de
decomposição por ação das bactérias e o desaparecimento de estruturas essenciais ao funcionamento
cerebral. Neurônios, suas sinapses e a glia (o combustível das estruturas neurais) deterioram-se em apenas
dez minutos. As análises post-mortem, já que não podem registrar o cérebro em funcionamento, buscam
informações sobre o formato, a densidade e o tamanho de regiões e do conjunto, assim como sua
composição microscópica. No caso de Einstein, a comparação com outros cérebros ajuda na busca das
diferenças que possam estar ligadas à inteligência. O estudo do material embalsamado constitui um
universo riquíssimo para a ciência.
O que se descobriu de mais relevante sobre o cérebro de Einstein pode ser exemplificado em cinco
grandes pesquisas, realizadas por instituições científicas de primeira linha nos últimos 25 anos. Foram os
autores desses trabalhos que VEJA procurou para preparar esta reportagem. O estudo mais antigo é da
anatomista Marian Diamond, da Universidade da Califórnia em Berkeley, publicado em 1985. Ela
recebeu quatro lâminas microscópicas do lobo parietal dentro de um pote reutilizado de maionese e
contou as células em cada seção. Notou então que a concentração no lobo parietal inferior esquerdo de
células gliais em relação aos neurônios era a maior dos onze cérebros usados como comparação. O lobo
parietal é uma área no topo do crânio, acima da nuca, responsável pela noção de espaço e pelo
pensamento matemático. Uma interpretação possível é que os neurônios de Einstein usavam e
necessitavam de maior energia. Daí se pode inferir sua inteligência superior. Infelizmente, como não
havia nenhum gênio entre os onze outros cérebros, não foi possível estabelecer um padrão.
A pesquisa mais conhecida é a da neurocientista Sandra Witelson, da Universidade McMaster, em
Ontário, em 1999. Comparado com os cérebros de 35 outros homens, o lobo parietal de Einstein era 15%
maior e mais largo exatamente na parte responsável pelo processamento do pensamento matemático e
pela concepção espacial. Além disso, não tinha os sulcos que separam as duas porções dessa região, o
que, em teoria, facilitaria a comunicação entre os neurônios ali situados. O resultado seria uma forma de
pensar mais eficiente e inovadora, na opinião da pesquisadora. "A extrema habilidade do raciocínio visual
e matemático de Einstein pode ser explicada por essa anatomia incomum", disse Witelson a VEJA. Mais
dois estudos percorrem caminhos similares, mas em outras áreas do cérebro. A neurologista Dahlia
Zaidel, da Universidade da Califórnia, observou que os neurônios do lado esquerdo do hipocampo, área
relacionada à memória, eram mais longos que os do lado direito. Isso sugere uma associação mais fácil do
hipocampo com o córtex frontal, o que tornaria Einstein mais capaz de relacionar memórias com
raciocínios. O neurologista Britt Anderson, da Universidade do Alabama, percebeu que o córtex de
Einstein era mais fino e mais denso que o de outros cinco cérebros analisados. A suposição óbvia é a de
que a maior densidade esteja relacionada à genialidade.
A pesquisa mais recente, publicada há apenas seis meses pela antropóloga Dean Falk, da
Universidade Estadual da Flórida, também identificou padrões incomuns de sulcos e fissuras no córtex
cerebral. Sua conclusão é surpreendente. Ela sugere que o cérebro de Einstein não era mais eficiente que
o de qualquer outra pessoa, mas funcionava de modo diferente. Em seus estudos, Falk constatou uma
formação incomum. A fissura lateral do córtex, um sulco que segue o mesmo caminho da haste dos
óculos e é associado à linguagem, normalmente termina com uma pequena curva para cima. O de Einstein
convergia para o sulco pós-central, dividindo o cérebro pela metade. A configuração rara pode ter
causado dificuldades com a linguagem. Essa fraqueza teria sido o incentivo que o levou a desenvolver
com maior força o pensamento tridimensional, crucial para a criação da Teoria da Relatividade.
Certos indícios biográficos contribuem para a teoria de Falk. Einstein só aprendeu a falar aos 3
anos, na escola tirava notas baixas em alemão, seu idioma materno, e custou a aprender uma segunda
língua, o inglês. Ele sempre dizia que "a imaginação é mais importante que o conhecimento" e contava
que suas ideias mais brilhantes apareciam de repente, em forma de cenário. Para demonstrar a relatividade
do tempo, ele se imaginou caindo de um elevador ou disputando uma corrida, na velocidade da luz, com
um raio. Será possível que sua genialidade fosse realmente o resultado de uma formação extravagante no
cérebro? "O grande entrave para as pesquisas que tentam responder a essa questão é que até hoje não foi
descoberta uma relação entre o formato e a composição do cérebro e os dotes intelectuais", disse a VEJA
o neuroanatomista Jackson Bettencourt, da Universidade de São Paulo.
Especialistas acreditam que três fatores estão associados a uma inteligência superior. A primeira é
uma arborização mais volumosa e rica dos dendritos. Esses prolongamentos do neurônio recebem os
sinais elétricos das terminações dos neurônios vizinhos, estabelecendo a comunicação entre eles e
transmitindo informações. Ou seja: quanto mais dendritos, mais fácil e eficiente seria a comunicação
entre os neurônios. O segundo fator é uma maior conectividade entre os neurônios, ou seja, um maior
número de sinapses. O terceiro é uma inter-relação mais eficiente de várias áreas do cérebro para realizar
uma determinada função. É possível que o cérebro de Albert Einstein usasse várias partes do cérebro ao
mesmo tempo para desempenhar uma função ou fizesse mais conexões sinápticas do que o da maioria das
pessoas. O difícil é saber o que teria feito Einstein desenvolver essas habilidades.
"Provavelmente, foi uma conjunção de fatores ambientais e genéticos. Ele tinha o potencial mental
e estava exposto ao melhor ambiente possível para desenvolvê-lo", diz o neurologista Mauro Muszkat, de
São Paulo. As últimas décadas do século XIX foram de grande efervescência intelectual. A velocidade
das descobertas era um incentivo para que um jovem talentoso abraçasse o caminho da ciência. É
impossível não perguntar o que poderíamos ter aprendido se o cérebro de Einstein tivesse sido preservado
com recursos modernos. Os cientistas dispõem hoje de técnicas avançadas para retirar e armazenar
fragmentos cerebrais. O micrótomo, por exemplo, corta tecidos em lâminas de uns poucos milésimos de
milímetro de espessura, que podem ser indefinidamente conservados em plásticos especiais. Por outro
lado, como seria se ele vivesse nos dias de hoje? A resposta não é animadora. As técnicas de ressonância
magnética e tomografia computadorizada, que hoje registram o funcionamento do cérebro, não podem dar
uma resposta satisfatória sobre o mistério da inteligência humana.
"Ainda que se possa traçar uma relação entre determinada função e uma área cerebral, a precisão
dessas técnicas é a mesma de estudar uma célula com uma lupa", diz o neurocientista Ivan Izquierdo.
Nem por isso se deve imaginar que o estudo do cérebro de Einstein esteja encerrado. Sobre isso, a
antropóloga Dean Falk afirma: "À medida que a neurociência avança, o mistério da genialidade de
Einstein se torna mais e mais atraente para quem pesquisa a inteligência".
Fonte: Veja
Data da Reportagem: 19/10/09
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
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